quarta-feira, 23 de novembro de 2011


Um pequeno buraco na calçada foi o que bastou. Uma calçada mal conservada, quebrada, foi tudo que foi preciso... Num sábado à tarde, caminhando de chinelo, descompromissada, carregando minha adorada Coca Cola Zero de 2 litros de volta pra casa, um buraco atrapalhou meu caminho... e uma boa parte da minha vida dali pra frente.

O pé torceu, senti meu equilíbrio indo e vindo no que me pareceu uma eternidade antes de finalmente cair de joelhos na calçada, mão espalmadas no chão e dor, muita dor. Os cabelos na frente do rosto não me deixaram ver que a Coca Cola tinha voado pelos ares e parado em algum lugar da rua. Fiquei ali, sentindo a dor dilacerante vinda do tornozelo esquerdo, tentando achar posição e apoio pra me levantar. Não sei quanto tempo fiquei ali, caída na calçada, de joelhos, olhando pro chão...




De repente um homem simples apareceu do meu lado em sua bicicleta, com minha coca cola vazando na mão e me ofereceu ajuda. Eu, ainda zonza de dor, respondi que não precisava, porque eu estava tão perto de casa, bastando atravessar a ruazinha, que daria para ir capengando. Ele me entregou a coca, com o rosto preocupado, me perguntou se eu tinha certeza de que não precisava da ajuda dele, e seguiu diante da minha negativa. 

Já não era a primeira vez que eu caía naquela calçada. Da outra vez eu só não destruí o joelho porque estava de calça jeans, que, por sinal, ficou totalmente rasgada com o tombo. Mesmo lugar. Pertinho de casa, quase lá. Minimizei a dor, não achei que tivesse sido nada sério, pois vivo caindo e me machucando, e fui capengando até em casa. Lembro agora, com clareza, de que foi bem difícil colocar o pé no chão e apoiar nele pra chegar em casa, mas cheguei. Eu e a Coca Zero.

Ainda tive a capacidade de transferir o conteúdo do refrigerante para outra garrafa de coca que eu já tinha vazia, para que ela parasse de vazar e molhar a cozinha toda. Com o pé fora do chão, fui pulando até a geladeira e enchi uma sacola de gelo pra fazer compressa.

Deitada na cama a dor me dominava. Desespero. Eu estava estudando antes de sair pro almoço e pra comprar a coca cola, mas agora, na volta do almoço, não havia possibilidade de raciocinar. MUITA DOR. A dor vinha em ondas, do meu pé subindo pela perna e retornando ao pé. Um terror que durou três horas. Eu liguei a TV e fiquei olhando, sem nada ver, só pensando em quando a dor ia embora. Me arrastei até a cozinha e tomei todos os remédios de dor que achei em casa na validade. Só queria que aquilo fosse embora. 

Pé pra cima, gelo direto e três horas depois resolvi olhar o tornozelo. Estava extremamente inchado. E eu ainda achava que era apenas uma torção. De vez em quando tentava colocar o pé no chão, pelo menos como apoio, mas era impossível. Esperei deitada, ainda no gelo.




À noite eu já tinha inventado de andar pela casa na cadeira do computador que tem rodinhas e meu amigo fazia comida pra mim. Depois das fotos na internet, todo mundo me recomendava ir ao médico. E eu ainda tinha esperanças do inchaço desaparecer. A dor já estava melhor, não devia ser nada. Mas, ok, iria ao médico no domingo pela manhã com a minha mãe.

Foi um esforço sobre-humano ir pulando e me escorando nas coisas, no taxi, no taxista, nas paredes, etc. Percebi logo que vida de quem tem uma perna só não é nada fácil. No hospital, a pior notícia. Meu tornozelo estava quebrado! O médico disse 30 dias de gesso no mínimo, sem botar o pé no chão! Fraturei o maléolo lateral da tíbia. Óbvio que eu não sabia o que era isso. Traduzindo: a pontinha do osso fino que termina no pé.



Eu mal acreditava! Quebrado? Quebrado de verdade!? A cara de preocupação e pena da minha mãe também não ajudava. Coloquei a botinha de gesso com dor, quando o "gesseiro" colocou meu pé na posição normal. E agora? Última semana de provas na faculdade, prazos correndo no trabalho que dependiam de mim, planos pra viagem e aniversário nas próximas semanas... tudo acabado. 

A mente automaticamente começou a achar soluções para tudo que eu tinha que fazer, o que eu podia deixar de fazer ou quem poderia terminar outras coisas para mim. A viagem já paga para comemorar 1 ano de namoro em duas semanas, as festas de aniversário em 3 semanas, tudo isso perdido. E as provas? Como eu iria fazer provas? Como iria até a faculdade com aquele gesso pesado, mal conseguindo andar? Pânico.

Mas, como tudo se resolve, me organizei incluindo minha nova condição saci. Casa do meu pai na primeira semana. Ele me ajudaria a ir fazer as provas finais, me daria comida e tal. Consegui muletas e foi um drama me adaptar a elas. Caí várias vezes, uma delas acabei apoiando no meu pé quebrado e achei que o mundo fosse acabar com a dor (apesar do gesso).

Hoje é o quarto dia com gesso e muletas. Sinto meu corpo todo dolorido da transferência do peso do corpo para as mãos e muletas ao andar. Meus músculos da perna funcional estão sobrecarregados e doem a qualquer movimento. Mas eu persisto. Já fiz uma prova e foi uma das experiências mais complicadas da minha vida. Mesmo apoiando no meu pai. Minhas mãos ficaram inchadas de andar de muletas pelos corredores da faculdade até o Núcleo de Prática Jurídica para encerrar o estágio duas semanas antes, e depois até a sala onde fiz a prova.

No final me senti vitoriosa. Venci obstáculos que não conhecia e pareciam intransponíveis! Por muito pouco não desisti de tudo! O inconsciente vivia repetindo na minha cabeça que não dava pra eu ir fazer prova de pé quebrado e que era melhor repetir as duas matérias que faltavam. 

Hoje dou mais valor a quem tem deficiência. O mundo não é feito pra essas pessoas. E isso é triste. A minha limitação é temporária, mas me faz refletir no que ocorre na vida de quem tem deficiência permanente. Essas pessoas são guerreiras, pois, tudo, desde sentar no vaso sanitário (baixo e que requer agachamento) até pegar um copo d'água e servir o próprio prato de comida no fogão, com uma perna só, é complicadíssimo. 

Espero ficar boa logo. Mas uma coisa é certa, essa experiência vai me mostrar mais um ângulo da vida que eu nunca tinha realmente parado para pensar...



4 comentários:

  1. Só posso dizer que vai passar. Sempre pode-se usar o que houve de ruim como aprendizado. Podemos aproveitar o tempo "de molho" para coisas que o nosso ritmo acelerado de vida talvez não permitisse. Quando a gente, por obra de um inconveniente, acaba numa posição diferente na vida daquela em que estamos acostumados, é uma oportunidade pois nesse momento olhamos todo o cotidiano de uma maneira diferente.

    E quando fazemos isso, a dor passa mais rápido.

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  2. Oie .. parabens pelo seu DEPOIMENTO.. eu impaciente tirei meu gesso antes do tempo ..

    Marcos Valino

    mrvalino11@hot

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  3. Estou do mesmo jeito, já to no meu 28° dia e com o pé imobilizado com o gesso, a minha esposa esta gravida e não estou podendo fazer muitas coisas... Estava planejando fazer o berço da minha filha que esta para nascer... Mas sei que vou superar, estou torçendo para que daqui a 17 dias eu esteja começando tudo de novo... OBS: eu ia viajar com a minha esposa, um presente dos dias dos namorados, mas infeslimente tive de abrir mão e pelo fato de depois a nossa filha estar conosco, a nossa viajem vai ser adiada, mas para uma nova aventura.. A de ser pai... Melhoras e me fale como que foi o retorno... Abraços

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