sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ela olhava o mar. Admirava cada suave ondulação das águas infinitas que a cercavam. Mar até onde a vista podia alcançar. Azul, azul infinito. E se juntava ao céu sem nuvens. De um azul profundo. Hipnotizante...



Não havia vento. Não havia pássaros marinhos à vista, nem se podia ver nada além do mar em volta. Era como um quadro, estático e belo. Ela sentia-se presa numa pintura. Nada se mexia a não ser as pequenas marolas que acompanhavam o movimento das marés. Tudo do mesmo jeito, por horas e horas.

E ela olhava o mar. Era tudo que havia para olhar. A mesma paisagem. Água por todos os lados e o céu sem nuvens. Nada mais. Podia ver também suas mãos na amurada, unhas pintadas de vermelho na pele branca, contrastando com o azul interminável.

O balanço era mínimo, e somente isso a fazia saber que não estava parada no tempo. A sensação era de paralisia. Infinita tranquilidade também, mas era como se o tempo e o espaço tivessem parado. Era como estar em uma fotografia, para sempre. Imortalizada. Ela e a paisagem.



Não havia também som algum a não ser seus próprios pensamentos. Passou a perceber a brisa quente e bem fraca em seus cabelos, acariciando seu rosto. Os olhos querendo enxergar mais do mundo, e vendo apenas o mar, abundante em sua grandiosidade azul.

Um dia se passou. Manhã, tarde, noite. As cores variavam. O céu se tornava colorido ao poente, alaranjado com raios cor de rosa, tendendo ao vermelho, a bola de fogo descendo no mar, levando consigo a luz. À noite, tudo preto. O céu mais estrelado que ela já havia visto, nenhuma luz ao redor. Olhava para o mar e dessa vez não via nem as marolas. Preto total. Blackout. As pupilas dilatadas não podiam ver nada além de si mesma pois não havia luz. Estava no meio do mar.

Olhando para baixo, via o mar mexendo-se preguiçosamente sob o navio. As luzes no casco do navio iluminavam uns poucos metros de mar, permitindo que ela visse que o navio não flutuava no breu total, mas sim naquele mar negro.


Lá de cima do sétimo deck, na varanda, com nada acima de si além do céu negro na noite sem lua, o mundo parecia ainda mais parado. O tempo parecia parado. Ela tinha certeza, estava presa em algum lapso de tempo e espaço, no meio do mundo, no meio do mar.

Sozinha na amurada, ela experimentava a sensação mais estranha de toda a sua vida. O tempo parado. Nada o que fazer, nada para ouvir e nada para ver. A sensação de pausa. O ar suspenso, a vida em "pause". Era a mágica do navio.

Os dias se passavam e ela sabia que provavelmente o navio havia se movido no mundo, mas, na amurada, sem referência, sem litoral, sem terra à vista, não havia como perceber. Não sentia velocidade alguma, não sentia movimento. O mar estava plácido, quase uma planície, sem vento... E não havia como sentir diferente. Ela continuava parada na paisagem. Uma agonia começava a brotar dentro de si. A sensação de não saber que dia era, e de não poder determinar o rumo do navio, e de ficar por ali olhando o nada se mover... 

Quatro longos dias no Atlântico. Quatro noites, quatro manhãs, quatro tardes. Estáticas. Tudo parado, quieto, imóvel. Um dia depois do outro. Nada mudava na paisagem. Nem o vento vinha tocar sua pele. Parecia suspenso. Ela já não sabia se era o mesmo dia ou se já havia mudado de dia. Sentia que o tempo lhe pregava uma peça. O feitiço do tempo. Todo dia, tudo igual...

Um dia ela acordou. As coisas pareciam diferentes. Apressada, colocou seu vestido. Atordoada, saiu das profundezas do navio, passando por algumas pessoas sem percebê-las, correndo para o convés aberto. À medida que se aproximava, sentia que havia uma brisa fria. Mudou! Alguma coisa mudara! E a expectativa de ver a mudança fazia com que ela praticamente corresse pelos corredores estreitos.

Finalmente saiu e abraçou a amurada, cabeça pra fora. Sentiu o vento gelado nos braços. O rosto começava a corar com a temperatura baixa. E ela sorriu. O navio estava parado. Mas ela podia ver coisas se mexendo!

Estavam em Dakar, Senegal, África. Após quatro longos dias de navegação desde Maceió, Alagoas, Brasil, estavam finalmente em terra firme de novo. Um outro continente onde nunca havia imaginado que estaria um dia... E as coisas se mexiam! 



Na amurada, ela sorria sozinha e olhava a terra. Olhava as pessoas. Pessoas de ébano enroladas em coloridos panos que balançavam ao vento. A polícia portuária usava um tipo de boina e vestia algo que parecia um vestido azul-marinho. O vento frio de maio queimava seu rosto e ela observava a vida, e as diferenças...

Alguns tripulantes do navio, de pele branca, vestidos em branco, tradicionais marinheiros do ocidente contrastando com os negros cobertos por tecidos coloridos, usando a "boina" e o "vestido". Não havia nada mais lindo! As coisas voltavam a se mexer, e os tapetes coloridos estendidos numa feira improvisada na saída do navio era como um formigueiro de formigas pretinhas carregando coisas coloridas nas cabeças. Tapeçarias lindas, boinas rastafáris, artesanato. África. Era ali que ela estava então, e era ali que tudo voltara a se mexer e ganhar vida.

Lembrei dessa passagem de minha vida como um déjà vu adaptado. A sensação de paralisia e do tempo não passar é a mesma. Presa na moldura da minha janela. Dias e dias. Meses...
To doida pra tirar esse gesso e me mexer! Sair de casa e ver as coisas se mexerem!
Espero que a sensação de alegria que senti ao ver as cores do porto de Dakar se movendo seja a mesma! Simplesmente maravilhoso!


1 comentários:

  1. Perfeito post, teve o poder de me fazer viajar junto. E (muito felizmente) posso dizer isso com propriedade: é muito bom viajar com você.

    Beijo, gatinha.

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