quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Saindo da barca, olhei no relógio de calçada que marcava oito da noite. Ao embarcar, 20 minutos antes, parecia tarde, porém agora, com a nuvem negra aterrorizante carregada com chuva de verão parecia que o sol havia sido roubado do céu, a escuridão dominava. E o vento quente de brasa queimava a pele, e a umidade pesada do ar tornava difícil vencer a invisível barreira d'água ao caminhar.


Entrei no modo automático e caminhei rápido junto ao gado recém-desembarcado, praticamente sendo levada pela muvuca. O vento parecia a respiração de um dragão, daqueles que cospem fogo. O inigualável monte de lixo que o carioca deixa no chão agora rolava desenfreadamente para todo lado. Papeis, latas, potes, todo tipo de coisa que o carioca dispensa e vai pro chão, agora se voltava contra nós. Rolavam, soprados pelo vento, em direção a todos os bueiros possíveis, juntando-se às folhas das árvores no claro objetivo de alagar nossas ruas. O pânico se espalhava. Bem feito pra nós.



A lata velha com grandes rodas de borracha chegou finalmente e uma horda de pessoas suadas passou a preencher seu interior. Cada um segurando seus sacos, mochilas, bolsas, compras, sacolas, malas, carrinhos, crianças, e sei lá mais o que esse povo teimava em transportar todos os dias na volta pra casa.

Oito e vinte da noite, calor de 40 graus, dizia o termômetro de calçada, que eu tinha certeza, estava errado. Devia estar 55ºC dentro daquela lata velha, fechada, com aquela imoral quantidade de pessoas. A cada ponto eu, que não sei rezar, quase me tornava beata pedindo a alguma entidade superior, que eu sei não existir, que fizesse com que não entrasse mais ninguém. Claro que não fui ouvida. Ou o ser supremo riu muito do meu absurdo pedido.

Ora, se São Pedro estava mandando a perigosa e carregadíssima nuvem com a grossa chuva de verão, como poderia Deus impedir que as sardinhas em lata corressem pra casa para se abrigar? Desgraça pouca é bobagem...

Colei imediatamente no banco que consegui arrumar pra mim, perto da porta de saída do ônibus, já vislumbrando o inferno que aquilo iria se tornar. As pernas escorriam, meu pescoço molhado beirava os 50 graus, o vento não corria dentro daquela lata velha... Observei o primeiro estresse, fruto do desespero, no diálogo entre trocador e passageira:

Trocador descortês: Não tem troco, não. Aguarda, por favor.
Passageira indignada: Ah, não dá não!
Trocador revoltado: Não dá pra QUÊ?! Não dá pra AGUARDAR???
Passageira cheia de razão explica alterada: NÃO! Não porque essa merda vai encher e depois eu não consigo saltar!

Diante de tamanho argumento, não havia como negar razão à moça suada com roupa de academia e bolsa de academia lotada. O trocador rapidamente conseguiu o troco e liberou a roleta para mais quinhentas sardinhas adentrarem o maldito coletivo. E segue a viagem...

A chuva desistiu de cair. O calor gargalhou macabramente e se apoderou do espaço onde antes soprava o vento da narina do dragão. O chão de aço do ônibus se encarregava de aquecer ainda mais o microondas ambulante, que colhia mais e mais sardinhas suadas pelo caminho. Meus pés dentro das sapatilhas mal podiam tocar o chão, queimava. E já era noite.

Quando eu achava que as coisas não podiam piorar e era só esperar pra chegar em casa e traçar um plano para sair do ônibus... Olhei pela janela e me desesperei... Simplesmente um time de futebol de moleques suados, descalços, recém saídos da praia, estava determinado a entrar no absolutamente lotado coletivo. Literalmente eles tinham vindo do futebol de areia. Nojentos.



Obviamente, como não podia deixar de ser, se espremeram entre as sardinhas, esfregando seus corpos à milanesa de areia nas pessoas e arrastando consigo as bolsas das mulheres de pé e várias caretas, e pararam justamente na minha frente, bloqueando a lateral do banco, por onde eu pretendia sair. Observava aterrorizada o suor dos cheirosos adolescentes à milanesa escorrer pelas testas mulatas. Os braços levantados agarrados no ferro do ônibus, os peitos ora meladamente nus, ora enxarcados com camisas rubro-negras coladas.

O balanço do ônibus jogava o moleque mais próximo em cima de mim, e com ele vinham seus pingos de suor. Olhei e em sua mão esquerda estava o motivo: a bola de futebol. O garoto só se segurava com uma mão, enquanto agarrava a bola, tão nojenta quanto ele, com a outra. Só me restou uma ação:



Eu, com o meu sorriso mais amarelo: Quer que eu segure a bola?
Moleque suado: Está suja de areia...
E eu resiliente, respirando fundo: Não tem problema não. É só pra você não ficar caindo... (em cima de mim, pensei).

Peguei a bola do garoto com as pontas das unhas e pousei em cima da minha mochila. A bola escorria qualquer coisa que podia ser suor ou água do mar, e decorava minha mochila com areia suja. Eu olhei aquela bomba nas minhas mãos, percebi o peso (e o calor) da minha situação, enlatada naquele ônibus com 200 pessoas escorrendo de calor e ri comigo mesma: uma vez na merda, na merda e meia!

Cheguei em casa viva... e corri direto pro chuveiro!
OBS: Claro que a água que vinha da caixa d'água da casa estava fervendo...
E viva o verão, né?  :/


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