quinta-feira, 24 de março de 2011

Naquele dia fui mais cedo pro Fórum. A última experiência no estágio não fora tão boa. Explico: estagiários demais, baias de menos pra atender, e, como meu plantão é no final do expediente forense, poucos se habilitam a buscar a Justiça no final do dia.

Da última vez eu literalmente roubei! Roubei dentro do fórum! Roubei a atenção de um "autor" que era atendido por outro estagiário, fui me infultrando no seu caso, fiz perguntas me mostrando interessada, e no final, roubei o cara pra mim!
Não sou mau caráter, só estou tentando me tornar uma advogada... rsss

Na verdade, cada cliente que atendemos, doravante chamados "autores", vale uma determinada quantidade de horas que os estagiários têm que cumprir ao final do semestre para ter a matéria ESTÁGIO I aprovada. Ou seja, nos tornamos mercenários de autores, roubando uns dos outros.
É a selva...

Então nesse dia fui mais cedo a fim de captar autores mais cedo e ter paz para atendê-los sem ficar me acotovelando com mais 15 estagiários naquelas duas pequenas baias de atendimento. Cheguei meia hora mais cedo e me apresentei pra advogada supervisora, que agora perdeu a colega de trabalho, e está sozinha supervisionando TODOS os estagiários ao mesmo tempo. Uma loucura!

A advogada disse que eu iria ficar na triagem para dar chance a uma estagiária novata redigir sua primeira petição. Fiquei meio frustrada. A petição, além de ser mais divertida de fazer, vale mais horas!

Espertinha, sugeri que eu ajudasse a novata, apenas como apoio moral...

E lá fui eu dar uma de professora, tendo a grandíssima experiência de apenas 3 petições de verdade, ensinar à garota como proceder. O autor à nossa frente, cara de moço simpático, de fala mansa, que não tinha tido seu armário montado pela Ponto Frio. Queria danos morais e a montagem. Caso simples.

Modelo de petição aberto, a garota ficou com os finos dedos esticados sobre as letras dos teclados, me olhando apavorada. Seu olhar ia da minha cara pra cara do autor pro monitor vazio e pra minha cara de novo. Vi que dali não ia sair nada...

Comecei professoralmente:
- Vai, vamos começar a redigir a história do autor, os fatos na ordem cronológica...
Achei que a magrela fosse entender e prontamente começar a digitar. Não o fez.
Olhava pra mim com aquele sorriso amarelo e olhos esbugalhados de quem não sabia o que fazer. Nem COMO fazer.Eu continuei:
- Bom, escreve algo assim "o autor, no dia tal, comprou o armário modelo X, na empresa ré e pediu para entregar no endereço do amigo..."

A garota começou a digitar exatamente o que eu dizia.
- Não, não precisa digitar como eu estou dizendo. É só uma ideia que estou te dando. Você escreve com suas palavras.
E ela parada, os dedos tremendo, o cérebro travado...
Desisti. Acabei ditando tudo pra infelizinha.

À medida que ela digitava eu queria gritar e sair correndo! A garota não usava vírgulas, não montava frases coerentes e não via os erros que eu apontava. Ela até comia palavras e não achava o erro quando eu pedia que ela corrigisse!!! Que irritante! E pior, pra me sacanear (só pode!) a garota escrevia "mas" com "i"!!! Sim, aquele famoso advérbio "mas"! Ela não estava somando nada pra usar "mais"!

Momento de reflexão: como podem existir pessoas que pretendem ser advogados quando não sabem nem escrever???

Relevei no momento porque comecei a ficar com pena do autor, que olhava pra nossa cara, esperando ter sua petição pronta antes das 18h, prazo máximo para que ele desse entrada no processo naquele mesmo dia.
Petição semi-pronta. Depois de ditar tudo, vi a alegria e o agradecimento da garota magrinha demais. E ela me perguntou:
- Você está em que período?
E eu respondi:
- Sétimo,  igual a você.
Ela claramente se assombrou e continuou descrente:
- Ah, mas você deve ter advogado na família...
- Não. Nunca tinha pisado no fórum nem visto nenhuma petição antes de começar o oestágio há 3 dias.
Ela pareceu maravilhada, me olhava como se eu fosse uma super professora, superadvogada com 30 anos de experiência. Eu expliquei que o que me ajudava era minha cara de pau. Foi a melhor explicação que pude dar...

Enfiei a garota na fila de estagiários que se formava na frente da advogada supervisora para a revisão das petições e informações para dar nos atendimentos do setor de triagem. De lá, vi outra estagiária atolada. Como não estava fazendo nada, resolvi ajudar. Acho que ali selei meu destino...

A advogada atribulada, toda enrrolada, fazendo 3 coisas ao mesmo tempo e não dando conta da fila de estagiários com diferentes demandas, de repente gritou pra uma outra estagiária perdida:
- Ah, a Clarice vai te mostrar. - E pra mim disse: - Clarice, vai lá ensinar a ela como se monta um processo."

Eu?! Ensinar?! Já to podendo!
Tô toda feliz por poder ajudar e por ter meus parcos conhecimentos reconhecidos pela supervisora! Bobona eu! rsss

OBS final: A estagiária magrelinha ainda me confidenciou no final do plantão:
- Eu quero atuar com o Direito Penal.
E eu, alarmada, sem compreender, sinceramente surpresa, respondi exagerada como sempre:
- É???!!! VOCÊ quer atuar só com bandidos, crimes e violência???!!!
E ela ficou com aquela carinha de pastel sorrindo amarelo pra mim. Eu completei:
- Ãaam... - Então tá, pensei.

Fé na justiça, gente! Nós, estagiários estamos aí!
hahahahahaha

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