quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Não consigo! Não consigo!
Anos de faculdade de Direito não conseguem me fazer mudar de opinião. Juro que não consigo.
E cada vez menos acredito que alguém possa ser isento e dar o famoso devido processo legal a bandidos.



Ontem estava eu no fórum novamente com duas colegas estagiárias assistindo audiências. Assistimos as cíveis, que são até simpáticas, vendo os juízes darem ganho de causa a consumidores mal tratados pelas grandes empresas de água, energia elétrica ou eletrodomésticos, ou majorando o valor das indenizações por danos morais cabíveis por desrespeito ao consumidor hipossuficiente. Divertido. Alegre. Dá no peito aquela sensação de justiça feita.

Aí, caminhando pelos infinitos corredores do fórum achamos as varas criminais. Curiosas, resolvemos assistir a uma audiência criminal que estava ocorrendo numa sala de plenária. Meio vazia, com alguns homens de terno na plateia, que imagino serem estagiários de Direito como nós, e outras pessoas que pareciam bem simples, talvez a família do criminoso ou da vítima.

Sentamos e observamos a cena.
A juíza, senhora de meia idade, tranquila e determinada sentada à mesa, no meio, em lugar de destaque. Ao seu lado um senhor do Ministério Público fuxicando o celular sem prestar atenção ao ato solene que é estar no tribunal e do outro lado da mesa umas assistentes. Em uma mesa separada à esquerda, estava sentado com sua toga o representante da Defensoria Pública, um rapaz com cara de contrariado. Uma mesinha com microfone à frente da juíza, esperava por alguém que fosse falar. Esperamos.



Em poucos instantes entraram dois policiais militares escoltando um sujeito negro, alto e forte algemado. De cabeça baixa, ele entrou na sala de audiência, foi até a mesinha e sentou-se de costas para o público.

A juíza começou o interrogatório, não sem antes avisar que o sujeito tinha direito ao silêncio. Não concordei, podia ter deixado ele se enrrolar. Enfim, segue o interrogatório, após a qualificação com direito a endereço e a aturar o sujeito dizendo que era vendedor de balas:

- O senhor é acusado de ser responsável por roubar carros e dar fim nos corpos das vítimas. O senhor sabe alguma coisa sobre isso?
- Não senhora.
E a juíza seguia:
- O senhor conhece as vítimas Caroline, Cristina e José?
- Não senhora.
- Mas a vítima sobrevivente, Mário da Silva, afirmou que foi o senhor que praticou o crime.
- Desconheço, senhora.
Silêncio. Longa pausa enquanto a juíza folheava o processo.

E assim continuou a conversa. Negando e negando e negando. Minha mente parou quando ouvi "vítima sobrevivente", o que significava que o maldito ali sentado e sendo tratado por "senhor" matou as outras! De repente, outra pergunta prendeu minha atenção.

- O senhor já foi preso ou processado alguma outra vez?
O bandido gaguejou, pretendendo obviamente negar, mas resolveu dizer a verdade e passou a citar vários números de artigos do Código Penal que nem estudantes de Direito sabem de cor. Reincidente! Maldito ao quadrado! 
- O senhor cumpriu pena?
- Cumpri. Saí em liberdade condicional.



Caralho! Ele era para estar preso! Não pode soltar um bandido em liberdade condicional! Que condições eles acham que um bandido vai cumprir? Ele não quer saber disso, pois ele tem certeza da facilidade que é escapar da justiça, da polícia, da pena...

- E o senhor já traficou?
- Não senhora.
- Conhece os traficantes Marcelinho Carioca, Joãozinho das Couves, Marcão, Carlão, Pirulito... - E a extensa lista de nomes se seguiu. Eu reconheci o primeiro nome de traficante dos jornais. Mal podia acreditar que aquilo era verdade, ali na minha frente.
- Não senhora. Desconheço. - Era tudo que o maldito delinquente sabia dizer.
- Não? O senhor nunca traficou? - a entonação da juíza era irônica nesse momento.
- Não senhora.
- Mas o senhor está sendo acusado por esse crime. Tem alguma suspeita do motivo?
- Não senhora. Não faço ideia.
- Ah, não faz ideia... Então por quê na delegacia o senhor confessou?
- Porque os policiais me bateram, colocaram um papel na minha frente e me fizeram assinar. Eu não sei ler.
- Ah, mas assinar o senhor sabe?
- Sei sim, senhora.
- Hum...

Minha cólera já estava no limite. Meu nojo dessas criaturas do mal espalhadas pela sociedade (bandidos e policiais) estava beirando o insuportável. Eu, como vítima por diversas vezes de pequenos assaltos, só posso imaginar o terror das incontáveis pessoas de bem que aquele sujeitinho devia ter torturado, matado, roubado e sei lá mais o quê. Traficante maldito! E ainda teve cara de pau de dizer que era vendedor de balas! Só se for de revólver!

O interrogatório acabou, a Defesa não teve nada a argumentar a não ser a confirmação de que o bandido morava, à época do crime (abril) com a tia e dois sobrinhos. Óbvio que era mentira. Mas se for verdade, penso que essa gente não devia ter família.



Antes do interrogatório do acusado, quando eu não estava no tribunal ainda, já haviam deposto várias testemunhas e vítimas. Pela cara da juíza, a situação do cara não estava boa. As mentiras dele não colaram. Mas é o maldito direito do réu a não produzir provas contra si mesmo. Constitucional e tal... Foda.

Levantei e saí. Não sei se há outros procedimentos depois daquele ou se a juíza apenas marcaria data para leitura de sentença. Na verdade, aquele ato ali já foi demais para mim, cidadã assaltada e refém da violência urbana do Rio de Janeiro.

Sei toda a teoria do in dubbio pro reo, na dúvida a favor do réu, e todas as outras belezas do Direito Penal e Constitucional que protegem os bandidos desse país, mas minhas entranhas não me deixam aceitar essas coisas. Devo ser fraca. Mas não consigo.

Considerar esse puto um cidadão é uma imbecilidade pois o cara nem sabia o CPF de cor! Ele não tem CPF, não vota, não tem conta bancária, não paga impostos, não contribui... Esse cara não serve pra nada! Então não deveria ser chamado de cidadão  nem ter direitos de cidadão!

Preferi deixar o fórum e essa audiência pra trás. Tem coisas que me sinto mais confortável em não assistir, pois sou incapaz de reolver. Corajosos os profissionais do Direito que lidam com esse espécimen de ser perigoso.


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