segunda-feira, 3 de agosto de 2015



Imagine aquele quarto escuro, aquele quartinho pequenininho, no fundo da casa, aonde a gente raramente vai. Aquele quarto da bagunça, onde entulhamos as coisas que só precisamos usar de vez em quando. Tipo vassouras. Agora imagine um quarto desse cheio de gente.

Pois é, uma das experiências mais desumanas que estou experimentando. Estou aqui, sou uma vassoura. O quarto é um pouco maior, não é escuro, tem ar condicionado e uma TV, mas ainda é um depósito de objetos pouco úteis em forma de gente.

Empresas terceirizadoras de mão-de-obra têm contratos de trabalho por tempo indeterminado com muitos empregados, mas não têm clientes tomadores de mão-de-obra terceirizada com tantas vagas quanto os empregados dispensados pela crise. E aqui estou eu, me tornei um objeto.

Não importa seu potencial, seu currículo ou sua experiência, não importa se você tem nível superior ou se fala vários idiomas. Aliás, nem importa se você é um ser humano. Aqui você é um objeto que pode ser utilizado - se alguém eventualmente precisar dele temporariamente - ou não. E se você não foi solicitado, sente-se na sala de reserva e assista TV.

Um único canal, alto demais. Controle remoto? Não pode. Aí dá fome e você saca um lanchinho. Comer? Não pode. Nem água ou café pode na salinha pois poderia sujar. Ah, então tem uma copa para lanche? Não propriamente, é pequena demais e só dá uma pessoa em pé. E banheiro? Só dois, com um em manutenção e cerca de 50 pessoas, das quais 35 são vassouras. Mas você pode usar o banheiro dos homens...

Os rostos tristes, ora olhando para a TV, ora para o jornal do dia que alguém sacou da mochila, ou para as telas de celulares que rapidamente consomem toda a bateria, gerando a disputa pelas tomadas. Às vezes a porta da salinha se abre e chamam alguns nomes. Nessa hora os rostos momentaneamente se iluminam de esperança. Esperança de a empresa ter conseguido uma vaguinha. Qualquer coisa, uma cobertura de algum empregado que faltou, ou melhor ainda, de alguém que está de férias. Cobrir férias é a alegria máxima daquelas vassouras, uma oportunidade de voltarem a se sentir seres humanos por trinta dias.

E o pior é perceber que as pessoas-vassoura ali da salinha já se conhecem, se cumprimentam, me ensinam o caminho das vassouras sobressalentes até o quartinho, inúteis até que se precise delas. Eles conversam e aceitam o estado de reserva, resilientes, tentando manter seus empregos. Tendo que sustentar família, com medo da crise...

Os celulares ajudam a passar o tempo e a não ser obrigado a olhar os torturantes programas de TV da manhã... da tarde... do dia inteiro, toda a programação-lixo.

Eu sento quieta, mau-humorada, revoltada por dentro, sem informação alguma que não as que consegui pescar. Inicio uma conversa para entender como funciona aquele purgatório, e me dizem que é possível passar meses ali, dia após dia, sem um trabalho  para chamar de seu, sempre humilhados ali no canto, esperando a portinha abrir e chamarem seu nome... Esperando para voltarem a ser trabalhadores e não só empregados-vassoura descartáveis no depósito.

A porta se abriu e chamaram meu nome. Vaga? Não. Dispensada.

Pelo menos naquele dia, já passado o horário limite para solicitações de sobressalentes, eu havia sido oficialmente declarada inútil por hoje. Sem trabalho. Dispensada. Assine a folha de ponto. Sem mais. Até amanhã.

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