quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011



EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO... BLÁ BLÁ BLÁ

Adiei o quanto pude, empurrei pro semestre seguinte umas duas vezes... Não queria começar essa fase. Mas agora chegou a hora. Vou mesmo me tornar estagiária de Direito! O momento obrihgatório que dá início os próximos 2 anos de minha vida.

A faculdade não explicou nada. Ansiedade por não saber o que ia acontecer lá. E nem mesmo saber onde é "lá". Só me disseram que era no Fórum central, perto do meu trabalho, perto da minha faculdade e até da academia onde malho, mas totalmente desconhecido.

Eu pensava no Fórum como um  lugar de deuses, onde as pessoas são interrogadas ao entrar e revistadas ao sair. Enorme e cheio de pessoas apressadas, outras importantes e cheio de excelências por todos os cantos... "lá" parecia realmente ameaçador.

Então, apesar dos 2 quarteirões que separam o prédio onde trabalho do Fórum, saí 45 minutos mais cedo do que o horário que começaria meu plantão. Nossa, eu tinha um plantão! A palavra "estagiária" me é meio nostálgica, da época da faculdade de Turismo em 1999 e soa totalmente absurda pra mim agora, aos 33 anos e trabalhando na Engenharia de uma grande empresa. Mas é isso. Sou estagiária!



Avistei a entrada lateral do Fórum e não quis parecer amedrontada  nem perdida. Fiz aquele olhar determinado de quem sabe exatamente onde vai e que não se importava com todo aquele esquema de segurança e leitores de raio X que rastreiam sei lá o quê nas pastas dos advogados e cidadãos apressados. Segui o fluxo e entrei. Entrei! Fiquei impressionada como foi fácil! Me deixaram entrar sem perguntas! Logo eu? Me deixaram entrar sem nem me olharem; era como se eu fosse um deles, uma daquelas pessoas que sempre usam o Fórum...

Aí lembrei do endereço que tinha decorado: corredor A, lâmina 1 (pois é, os juízes e advogados pisam em lâminas e não andares) e o número da sala à qual deveria me dirigir pra me apresentar. Imóvel por uns segundos, parei para olhar aquele bando de portas no corredor infinito e pensei: "Nunca vou achar a sala!" Pisquei, olhei pra frente e lá estava ela! A sala. Mas como? Fácil assim?

Entrei e não tinha o tumulto que me falaram que o 1º Núcleo de Atendimento tinha. Nas minhas fantasias e pesadelos tinha imaginado um batalhão de pessoas alucinadas, quem nem zumbis famintos amontoados, agarrando os estagiários pelos braços para serem atendidos. Mas não foi assim. Uma sala simples e vazia, com duas baias para atendimento.



Perguntei a duas moças que encontrei sentadas atrás de mesas dentro de um pequeno "aquário" no fundo da sala:
- Estagiário perdido em seu primeiro dia fala com quem? 
E elas riram e levantaram as mãos simbolizando "com a gente mesmo"...
Fácil demais de novo.

A partir desse momento agradeci até a Deus por ser mulher e (apesar dos protestos do meu pai) por ser frenética! A advogara orientadora parecia uma metralhadora falando. A quantidade de informações que ela me lançou em 5 minutos me causaram tonturas imediatas e se referiam às regras do estágio, apresentação do lugar, como era feito o atendimento ao público e...

- Tem gente pra atender. Pode sentar lá e atender! - disse a advogada frenética e em voz bem alta como, percebi depois, era seu normal.

Como assim atender? Tinha 10 minutos que eu estava ali! Meu plantão oficialmente nem tinha começado! Era uma pessoa de verdade, com um problema de verdade, e eu ainda não era advogada de verdade! Como EU poderia atender a essa pessoa demandante de ação gratuita? Como EU poderia dar orientações, se era exatamente isso tudo que eu mais queria!?

Lá fui eu. A voz saía até baixa enquanto eu ia perguntando os dados da mulher para preencher um formulário qualquer. Mas dei sorte, a moça era da minha idade, bem instruída (e não um zumbi faminto ou um pobre agressivo), trabalhava na justiça mesmo e estava com um problema que eu sei bem como é: comprar itens pela internet que não chegam no prazo. Nada complicado.

Fui atendendo, fui ouvindo, falando... Meus neurônios ajudaram e percebi que até sabia um pouco de Direito. As conexões entre a matéria teórica foram se tornando palpáveis com os fatos reais que a moça narrava. Casos concretos. Vida real.
Parti dali direto pra fazer a petição. A advogada abriu um modelo qualquer sobre Direito do Consumidor e me largou lá, sentada de frente pra agora "parte autora" pra escrever a petição.

Hein?! Como assim? Eu tive 2 e apenas 2 aulas de petição em toda a minha vida. Ainda estou cursando a matéria! Nunca tinha feito uma pra valer e aquela era uma vida pra valer... Concentrei meus neurônios em digitar... e mais uma vez agradeci aos meus pais e meu esforço pessoal por saber escrever. Advogado que não sabe Português e não compõe um texto com clareza e facilidade tem que se matar, não serve pra nada. Naquele momento, ali mesmo naquele modelo de petição inicial, encontrei vários erros de Português. Aff... Como assim!?

Aí fui digitando, relaxando, conversando com a autora... E percebi que me diverti até. Outros estagiários perdidos foram chegando e eu concentrada ali em digitar a tal petição. Já estava me sentindo promotora de justiça até. Só porque eu tinha 20 minutos a mais de JEC que eles. Ah há! Sim, eu que não sabia nem onde era "lá no Fórum", já estou até usando jargão! Hahaha! JEC = Juizado Especial Cível.

Petição pronta, fui corrigir com a advogada. Ela ia lendo comigo sentada ao lado e ia fazendo que "sim" com a cabeça. E eu esperando que ela corrigisse alguma coisa. Mudamos o valor da causa pra um valor mais plausível e só. Só? Fácil assim! Ah, já to me sentindo Promotora Federal! Hahahah

Sentei na frente da autora de novo e mostrei a petição para que ela assinasse. Não resisti e disse baixinho que era minha primeira petição e meu primeiro atendimento. Ela sorriu e disse:

- Parabéns, você se saiu muito bem!

Ah! Fui a loucura! Mordi a orelha com o sorriso, peguei minhas coisas pois o plantão tinha acabado e fui saindo. Coração acelerado, pensando em mil coisas, olhei para as catracas de saída e, feliz, vi que também não havia revista, nem sequer um guardinha grandão mal-encarado me olhando de lado. Prendi a respiração por um segundo e segui o fluxo saindo do Fórum.

O primeiro passo que dei fora daquele misterioso prédio foi um passo de libertação, leve e feliz, completo. Enquanto me afastava do Fórum em direção à faculdade, onde teria minha terceira aula de petição inicial, ia ajeitando a pastinha de couro na mão, as passadas de passarela com os sapatos altos de oncinha e o olhar... aquele olhar... olhar de quem pertence ao Judiciário! Saí de lá um mulherão auto-afirmado e feliz...



Foi apenas meu primeiro dia, eu sei. Mas, exagerada como sou, já me sinto integrante do Poder Judiciário e pude sentir o gostinho de finalmente tocar naquilo que venho estudando há quase 6 anos!
Não sou ninguém, mas ajudei uma pessoa, e me sinto importante pra caralho! A própria deusa da justiça!

Sei que é apenas o começo... mas se continuar assim, eu finalmente achei um trabalho que goste de fazer!
(Assim já vou poder parar de reclamar e escrever coisas ruins sobre o trabalho! Não é fantástico?)
Me senti vitoriosa e isso é bom pra caramba!

Pedido: Deferimento de sucesso na carreira.

Valor da causa: Não tem preço.

Data

Nome
Advogada
OAB

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