domingo, 25 de abril de 2010



Uma ansiedade enorme me dominava nas últimas semanas. Eu sempre afastava o pensamento sobre o dia marcado para evitar maiores considerações, mas era impossível. Simplesmente impossível desconsiderar que em apenas alguns dias eu iria fortografar nua! E num motel!

Não é simples assim. Fotografar nua significava tanta coisa... Significava estar nua na frente de uma amiga fotógrafa; significava estar nua na minha própria frente, olhando através de espelhos as minhas imperfeições e esperando que um olhar alheio pudesse mudar minhas percepções sobre meu próprio corpo. Esperando me gostar e me admirar mais. Esperando ficar satisfeita com o que eu sou, com o corpo que tenho, com as formas que carrego comigo ao longo desses 32 anos de existência...

Era uma responsabilidade enorme para a fotógrafa e uma ainda maior para a minha amiga. Ela desejando atender às minhas expectativas, querendo realmente me mostrar e captar com sua lente a beleza que ela enxerga em mim. Ela doou-se de corpo e alma para me mostrar o que eu queria ver. Torcia para que eu gostasse, para que tudo desse certo para mim... Ela conhecia bem os meus dilemas e o meu propósito. Mas é claro que temia, era um desafio e tanto!

E eu, sempre tão forte, destemida, corajosa e criativa, temia por minha sanidade mental. Não imaginei que seria tão difícil sustentar a minha nudez frente ao espelho, sob luzes de fotografia e sob o olhar duro e crítico de mim mesma. Não sabia que seria difícil focar no objetivo, que teria que usar todas as minhas forças para não pedir para parar e para me concentrar em ser natural, em demonstrar caras e bocas de mim mesma. Sem capas, sem máscaras, sem encarnar personagens...




E assim fomos para o motel, num belo domingo de sol, pela ensolarada e colorida cidade do Rio de Janeiro, exuberante em sua beleza, como eu queria estar. Lingeries delicadas como jóias, bota de cano longo, diversos sapatos altos, estola preta de pele, véus coloridos, acessórios e camisolas sexys empacotados no banco de trás do carro dela, junto a flashes, luzes profissionais, lentes e a velha e conhecida câmera que me fotografaria usando nada daquilo que eu trazia, em pouco tempo. E a insegurança sendo amansada no caminho enquanto conversas leves e de íntima amizade me distraíam.

Os olhares curiosos julgaram as duas mulheres que entravam juntas num motel. Eu com intensos olhos marcados pela  maquiagem negra que o maquiador desenhara no meu  expressivo rosto para a primeira parte do ensaio fotográfico e cabelos presos na cabeça, enrrolados como naqueles antigos "bobs" que as vovós já usaram na cabeça no passado. Sapatinho de cetim cor de rosa claro combinando com o vestido lilás e branco, decotado e florido, e longas unhas pintadas de vermelho completavam o visual da "moça da relação". Minha amiga com calça e camisa pretos, sem adereços nem maquiagem. Pronto, pensavam, casal mais estereotipado de lésbicas não há!

E sob os olhares curiosos dos funcionários do motel nós íamos de suíte em suíte tentando achar uma que tivesse boas locações para fotografar. Umas com a área da piscina mais classuda, outras com a cama e decoração do quarto mais bonita. Tudo por que a suíte que eu levara meses escolhendo pela internet não seria liberada por causa de limpeza da piscina! Que azar! Após alguns quartos investigados, a recepcionista impaciente perguntou à fotógrafa:

- E então, vocês já decidiram que quarto vão querer?
E ela respondeu, apontando para mim:
- Não, ela está escolhendo qual piscina ela quer... - e espirituosamente acrescentou com um gesto das mãos como se estivesse impaciente - Ah! Mulheres!

Hahahahahah!!!
Isso nos rendeu bons momentos de riso enquanto almoçávamos o delicioso bife com batatas fritas que pedimos no quarto. A amizade de infância nos ajudava a ficarmos tranquilas naquele ambiente cheio de tabu que era um motel. E eu tentava não pensar que em breve, os espelhos estariam me olhando, e que o olhar da minha amiga se tornaria profissional, e se voltaria para o meu corpo. Meu deus, eu queria adiar aquilo! Eu suava e bebida alcoolica nenhuma fazia efeito para me tranquilizar naquele momento...

Comecei a fotografar com uma longa camisola negra transparente com rendas finas na borda da piscina à céu aberto. O cabelo ajeitado formava ondas alvoroçadas caindo pelos meus ombros e o rosto bem maqueado parecia uma pintura. E ainda... eu me sentia desproporcional, grandalhona com meus quadris enormes e braços fortes. Faça cara de diva, ela dizia. E quem me diz como fazer isso? Eu simplesmente não conseguia focar no pensamento que me faria sentir mulherão o suficiente para parecer uma diva como ela pedia...

O suor da bebida descia pelo meu rosto e eu tentava ficar tranquila quanto ao resultado das fotos. Ela secava pacientemente com a toalha, de leve para não borrar a maquiagem. E me dirigia com suavidade. Faça tal posição, assim, mas não pose! Não faça caras e bocas que não são você! Olha o personagem! Não encarne um personagem. Aja com naturalidade, tente ser você, só você!

Eu me esforçava, compreendendo totalmente o que ela queria dizer. E achei que seria mais fácil encarnar mesmo a personagem super sedutora, que faria caras e bocas para encantar o público masculino, deixá-los loucos, doidinhos... Mas eu não podia! Tinha que ser eu mesma, a simples mulher que sorri, é meiga, sofre, sente amor, tem inocência, sensualidade ... e isso tudo para um olhar muito mais crítico do que o masculino... O meu olhar!

Descemos para o quarto, tirei a camisola, fotografei com lingeries... Sentia-me trabalhando arduamente. Não me incomodava mais o olhar dela sobre mim, mas agora os espelhos captaram minha tensão. E eu não conseguia exprimir leveza alguma e nem passar naturalidade quando os espelhos apontavam dedos sombreados para o meu corpo e suas curvas rechonchudas e exuberantes.

Eu lutava com a ideia de sair correndo. A luz fotográfica me fazia transpirar e eu sentia o suor gotejar por todo meu corpo apesar do ar condicionado da suíte e a pouca roupa. Olhava no espelho para ver a melhor posição ou para encarar meu rosto e aprovar a expressão que usaria na foto, mas acabava me distraindo com a imagem de mim mesma. Imediatamente as preocupações e as questões que me propuz a combater vinham à minha mente e meu semblante se alterava. Eu lutava para imaginar coisas simples, bonitas, delicadas, sensuais, e suaves como um sorriso convidativo dado a um belo homem imaginário que eu amava que eu já quase enxergava por trás da fotógrafa.

Esse meu amigo imaginário que eu criei com um um restinho de lembraça do que é o amor por um homem que me ama também, foi que me ajudou a expressar a suavidade que eu desejava e que me caracteriza quando apaixonada. Eu queria ver isso nas minhas fotos. Queria também registrar meus sentimentos. Teve momentos que pensei em algum elogio desse homem que me fizesse corar embaraçada, para que essa foto me mostrasse esse sentimento. Em outros momentos eu simplesmente pensei em mim como um anjo, para que o tecido branco e transparente que usávamos sobre a cama passasse uma sensação angelical.

Havia tempos em que eu era a sensualidade em pessoa, envolvida numa transprência vinho e botas de cano longo ou simplesmente nua em pelo, rindo de alguma situação entre amigas. Os cliques foram marcando o passar das horas e o desconforto melhorou, mas eu não conseguira me livrar da sensação de que tudo estava sendo em vão pois meu peito não conseguia libertar a mulher despojada que eu sou.

O mergulho na piscina foi providencial! Refrescada e sem maquiagem, passei a ser mais eu mesma, mais leve, menos presa ao fardo do mulherão. Ainda, eu me preocupava com as curvas em excesso e com as dobrinhas a mais. Nossa, que situação mais difícil!

No final estávamos exaustas! Boiamos sem pressa por duas horas na piscina morna, com cascata, sob o belo céu furtacor do final da tarde de outono no quente Rio de Janeiro, de frente para o mar mais azul do mundo. Rimos e conversamos nuas e mergulhadas nos nossos eus, como amigas de infância que éramos, sentindo-nos relaxar após a tarefa cumprida. Mulheres de trinta, quem diria. Mulheres maduras que encaravam nossas mútuas nudezas agora sem preocupações. E desfrutamos da nossa companhia e de nossas trintices, cheias de inseguranças e aprendizados, certezas e mágoas... Mulheres meninas.

Dormi exausta, engolida pela minha confortável cama, amparada pela segurança do meu edredon no meu quarto climatizado e lilás como eu o havia pintado, no segundo em que coloquei os pés em casa. Não tive forças para contar a experiência, nem para arrumar as coisas que levara, nem para jantar...
Precisava desesperadamente dormir... Cansada da batalha comigo mesma!

Incrível experiência!
E, como não podia deixar de ser, incrível resultado!

Obrigada amiga-fotógrafa-confidente! Obrigada por encarar esse desafio comigo! Obrigada por compreender minha alma e por tentar traduzir meus sentimentos que você tão bem captou!

Agora é olhar exaustivamente com meu melhor olhar complacente e absorver a beleza dos meus momentos, traduzidos pelos ângulos e curvas do meu corpo maduro. Agora é ser condescendente e afável comigo mesma, como costumo ser com as pessoas. Agora é gostar mais de mim, admirar a não simetria, o não-padrão... a mulher de verdade que se esconde dentro de mim!

E que mulher!


2 comentários:

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  2. Gosto de desenhar e estava pesquisando no google fotos de mulheres nuas para poder praticar. Achei sua foto SENSACIONAL! Você é linda!

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