Fardo de ser um mulherão

Humm, que mulherão!

Gostosona!

Grandona, você, hein!

Tesão!

Mulherão delicioso!

Gosto grande assim!

É muita mulher!

Pedação de carne suculento!

Quanta carne!

Tesuda!

Quanta carne! Dá pra comer no almoço, jantar e ainda sobra pro outro dia!



Cansei de ouvir essas coisas ao longo da vida.
E se me perguntarem se é bom, digo que só em determinadas situações (entre quatro paredes, por exemplo). Mas na vida cotidiana, nos vai-e-véns das manhãs e noites das pessoas trabalhadoras, nos transportes públicos, vias urbanas, restaurantes, calçadões de praias e passeios nos shoppings, digo categoricamente que NÃO! Não é legal. Não é bom ser uma mulher fora dos padrões.

É um estigma que carrego desde os meus treze anos, quando peitos apetitosos despontaram em meu tórax e um quadril largo somado a uma cinturinha estreita e coxas grossas tornearam meu corpo, me dando aparência de mulher.

Desde então sofro os mais diversos assédios dos homens. Não há perdão. Não há horário. Não há limites para os dizeres perversos dos homens. Não respeitaram minha tenra idade dos 13 anos, nem me respeitaram ao longo da vida, até hoje, aos 32.

Tive então que aprender a lidar com o corpo que ganhei via DNA e com os homens que vêm atrás dele. Não sou uma modelo de passarela. Estou longe disso. Sempre estive acima do peso. Ainda assim, nada impede os homens de quererem a tal carne apetitosa. Sou a prova viva de que modelos de revista e TV só servem para o fim a que se propõem mesmo. A vida real gosta mesmo é de mulherão. Mulher com curvinhas, carne, mulher que "tem onde pegar" (segundo os próprios homens).

E quem acha que vim aqui me gabar está enganado. Estou é reclamando.
Essa minha condição de mulherão, o rótulo que me deram, traz consequências. Sendo dona desse corpo que excita o tesão na mente masculina, eu aprendi a andar rebolando, usar o charme de um decote ou um sorriso malicioso para seduzir. Não só sexualmente, mas descobri que é possível seduzir das mais diversas maneiras, e para os mais diversos objetivos. O ser humano é facilmente seduzível pelo que considera belo, atraente e desejável.

Pois bem. Ainda assim não me gabo.
O fato de saber lidar com a sexualidade bem cedo (aos 13 anos com um homem de 28) é um ônus que tive que suportar. Então o fato de saber seduzir usando meu corpo é consequência. Ou era isso, ou era ficar maluca e me manter reclusa de algum mosteiro no alto do monte, longe dos olhares de desejo masculino.

Aos 32 faço terapia para tentar tirar de mim essa conexão direta do meu corpo ao sexo, que adquiri ao longo do tempo - vivendo o que vivi. É ruim demais ser vista inicialmente como um objeto sexual. É terrível nunca poder passar despercebida pelas ruas ou locais públicos, independente da roupa. É chato sempre ter que provar que atrás do mulherão tem uma mulher inteligente e carinhosa, e que pode querer colo apenas. Uma verdadeira menininha. Alguém acreditaria? Já chegam querendo o mulherão que aparece na estampa. Não querem nem perceber a mocinha que se esconde naquele corpo...

Homens, entendam! O formato do corpo pode atraí-los mas não julguem o conteúdo dele por aí. Não tratem as mulheronas, com bundonas, peitões, quadris enormes, pernas bem torneadas, como apenas isso. Elas são mais. Muito mais! Não torturem nossas almas femininas com suas atitudes desrespeitosas e seu tesão mal contido. Respeitem a pessoa antes de olhar os contornos da mulher.

O fardo de ser um mulherão é penoso demais nessa sociedade machista e de consumo, onde somos vistas como mercadoria. Ainda estou aqui colocando as ideias em ordem, e em terapia no consultório de uma psicanalista especializada em mulher,  tentando apenas aprender a me importar menos com isso e me ver como a mulher de valor que sou.
Mas confesso que às vezes canso e fico esperando os 40, 50 ou 60 anos, quando o valor que se dá ao corpo de uma mulher diminui e se torna inversamente proporcional ao valor que se dá ao seu caráter e à sua inteligência.

Foi só um desabafo.Gosto de ser mulherão pois é isso que sou. Foi isso que aprendi a ser...
A sociedade só poderia faciliar minha vida.
Os mulherões desse mundo afora agradeceriam e seriam mais felizes!