Centro do Rio, quinta-feira, oito horas da noite.
Dentro da sala de aula ela ouve uma buzinação em algum lugar lá embaixo do prédio. A buzina insiste, ritimada. Uma multidão vibra. Gritos. Ela começa a ficar com medo. Revolta? Quebra-quebra? Algum protesto que vai parar a cidade toda? Como ela vai pra casa quando a aula acabar?
A turma fica também inqueta, a professora para a aula e alguém pergunta "o que é isso?", sem resposta. Acostumados aos tumultos da cidade, os cariocas retomam a aula e sua atenção se volta para a professora apesar da barulheira do protesto próximo à faculdade.
Oito e meia da noite.
Ela desce da faculdade, o protesto mais quieto agora, e segue rápido para o táxi mais próximo em busca de segurança. Um sujeito estranho abre a porta para ela mas não há motorista. Ela sente medo, se recusa a entrar no táxi enquanto não enxerga o motorista. O homem, segurando a porta para ela diz "Calma, calma, ele já vem." E logo o motorista apareceu e seguiram viagem.
O trânsito estava travado. Um horror! Era uma obra que estavam fazendo na Rua da Carioca. O motorista perguntou a ela se podia fazer um caminho alternativo para fugir do trânsito. Ok. Não sem muitas freiadas, desvios e sinais fechados, o táxi seguiu rumo à Tijuca.
O motorista pegou a Av. Chile, cheia de carros e barulhenta. À medida que seguia, a rua foi estreitando, chegando na Lapa. Típico bairro carioca, ela pensou, deveria ser mais amigável. Estava sentindo medo novamente. Ruas mal iluminadas somadas à paredes pichadas e destruídas, bares sinistros, lixo espalhado e sacos de lixo pontuavam o caminho. Ruelas amareladas pela luz dos postes, muitos espaços sombrios sob postes de luz queimados, casarios antigos semi-demolidos. Prostitutas à espreita, esperando a hora de atacar os clientes. Moradores de rua vendo o tempo passar. Poucos passantes se aventuravam por ali. Comércio fechado. Cidade escura.
Onde deveria haver asfalto havia uma sucessão de buracos e ondulações que causavam náusea ao passageiro de qualquer carro. Suspensão de carro deve ser o item mais vendido nas oficinas mecânicas do Rio de Janeiro.
Ela pensa: O Rio está abandonado. Merecia mais do que isso...
O táxi amarelo finalmente chegou ao destino e ela desembarcou.
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Tijuca, sexta-feira, sete e meia da manhã.
Ela opta por ir ao trabalho de ônibus. Táxis são caros e o engarrafamentoque com certeza enfrentaria só os encarece mais. Ônibus cheio, prestes a entrar num túnel perto de alguma daquelas favelas centrais, atrás do Sambódromo e o trânsito pára de repente. Olha pro lado e lê a placa: UPP do São Carlos.
"Ah, cedo assim?", pensou ela. Alguns passageiros chiavam mau humorados por causa do engarrafamento.Outros liam desinteressados, acostumados. O motorista do ônibus anuncia alguma operação policial à frente e consegue despertar a atenção dos passageiros. Ela pôde ver pelo vidro da frente do ônibus um sujeito fardado. O policial parecia estressado e falava agressivamente com alguém que o campo de visão dela não alcançava. Medo novamente.
De repende o ônibus voltou a andar passando ao lado do local do incidente. Pela janela, ela pôde ver o carro de polícia mal parado no meio da pista (que causava o engarrafamento) e três policiais com fardas camufladas enfiando um bandido qualquer algemado pela porta de trás da viatura. Assalto num túnel central da cidade às 7:30h da manhã.
O ônibus segue e as pessoas voltam ao normal. Bandido, engarrafamento, tudo normal para o carioca. A cidade acordava pra mais um dia comum. Pontos de ônubus cheios de pessoas com caras amarrotadas, cansadas da semana longa e ansiosos por causa do horário pra chegar ao trabalho.
Mendigos ainda dormindo empilhavam-se nos cantos dos casarios velhos e lojas fechadas. Sacos de lixo pretos rasgados por cachorros vira-lata, ou quem sabe, catadores de lixo famintos. Entulho pelo chão.
O sol ainda não tinha dado as caras e o nevoeiro típico das manhãs de outono embaçava a cidade. O carioca enrrolado em cachecóis desnecessários e casacos que tirará em breve. 19 graus. A bagunça da cidade vai se intensificando. O ônibus chega ao destino e ela salta.
"Sã e salva!", pensa ela.
E o Rio de Janeiro continua lindo... (?)
O medo e o cotidiano
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Mesmo os Cariocas mais entusiastas do oba-oba da "Cidade Maravilhosa" em algum momento terão que perceber o quanto fragmentada, suja e abandonada a cidade está se tornando. Enquanto se promovem embelezamentos propagandísticos de um lado, outro lado da cidade, o do dia-a-dia, continua cada vez mais abandonado.
ResponderExcluirNão temos lixo só nas ruas. Há muito lixo ocupando cargos públicos, e o que é pior, lixo eleito com os votos dos próprios cariocas.
Se é verdade que cada povo tem os políticos que merece, o merecimento dos cariocas anda altíssimo.