sexta-feira, 23 de julho de 2010


Não estou boa hoje! Estou sentindo uma raiva que não sei explicar... Resolvi extravasar lembrando de uma situação, há muitos anos atrás... Era uma vez...

Uma mocinha de 14 anos que andava com suas amigas, como todas elas fazem. Eu sempre fui fiel às amigas e senti que dessa vez ele fora longe demais! Aquele idiota tinha se aproveitado da minha pequena ausência para roubar de minha melhor amiga um objeto pessoal... Usou de violência e agressividade como ele covardemente sempre fazia comigo e com elas. De novo e de novo, ele sempre nos agredia ao longo do tempo... Principalmente a mim.

Sim, era um idota mirim. Daqueles garotos idiotas de 14 anos que se tornarão homens idiotas, daqueles que humilham, ameaçam e violentam as mulheres. E esse maldito garoto era a minha pedra no sapato há anos. Mas aquilo... a minha amiga não!

Eu podia suportar todas as humilhações, maldades físicas e agressões psicológicas que ele fazia comigo todo aquele tempo, mas, saber que ele atacara dessa vez uma de minhas amigas fez despertar algo em mim que nem eu conhecia! Meu sangue fervia. Minha cabeça rodava, e eu só podia me concentrar no sentimento de injustiça! Maldito!

Senti o ódio crescendo dentro de mim como nunca antes. Não me reconheci. Ou melhor, me senti super disposta, corajosa, agressiva, raivosa... Eu me conhecia pela primeira vez! Meus pêlos se eriçavam à medida que eu pensava em como iria despedaçá-lo. Aquele pedaço de merda magro e feio! Sujeitinho imbecil que se divertia fazendo os outros se sentirem um lixo, que sentia tesão em destruir, arremessar longe ou molhar até ficar inutilizado qualquer objeto da pessoa que escolhia como alvo de suas maldades. Lembrei dos dias em que me bateu, me machucou fisicamente, e de como eu fui incapaz de me defender... O ódio era incontrolável agora!

Saí em sua perseguição. Usei meus instintos, olfato e audição, para sentir a trilha do covarde. Eu não era mais a mocinha indefesa e humilhada... Meu corpo crescera e ganhara músculos. Os pêlos tomavam conta de minha pele e meu rosto ganhara um enorme focinho e longos e afiados caninos. E eu queria cravá-los no pescoço dele! Em minhas veias agora corria o sangue de uma loba enorme, movida por um insano desejo de vingança por ter sido acuada e aprisionada por tanto tempo...



Galguei com enormes passadas, as maiores que minhas patas podiam dar, as escadas seguindo o cheiro da minha presa... Muita raiva... Eu uivava chamando-o para briga! Mas sabia que ele era covarde e não me enfrentaria na minha nova forma... Ele nem fazia ideia do que despertara... Ele não conhecia o monstro que havia dentro de mim. E eu queria sangue! O sangue dele!

Diminuí o passo em frente a diversas portas fechadas... Sniff, sniff... Farejei o ar. Passei rosnando pela primeira porta, mas meu faro dizia que não era lá que ele se escondia. Soltei um urro medonho chamando seu nome... Ele não podia se esconder de mim, nem do seu destino... Ele morreria em minhas garras!

As pessoas que passavam por mim ficavam estáticas mal compreendendo a cena. Um enorme monstro peludo, uma loba de presas de fora rondava o andar e parecia buscar algo. Cercavam-me como estátuas sem dizer palavra, pensando que eu guardava alguma semelhança com aquela menina de 14 anos simpática que conheciam, mas decidiam que não podia ser a mesma... E eu passava por aquelas pessoas como se elas não estivessem lá. Meu ódio me cegava e eu enxergava tudo vermelho. Vermelho como o sangue que eu tiraria daquele garoto desgraçado...

Capturei o cheiro no ar, o cheiro que me deu a direção e apertei as passadas em direção à porta da sala onde ele se escondia. Rosnei alto. Soltei um urro a plenos pulmões. O silêncio me cercava e eu podia farejar o medo. A raiva me dominava só de pensar que o imbecil estava atrás daquela porta, há poucos metros de mim...

Com um salto, lancei meu corpo pesado contra a porta e a arrombei! Ouvi gritos de susto e depois o silêncio do espanto de todos. O maldito garoto estava cercado por outras pessoas, mas elas congelaram quando viram a loba e sua perceptível agressividade. Eu mal vi essas pessoas também, pois meus olhos haviam avistado o meu alvo.

Encurralado no fundo da sala, próximo à grande janela, estava o infeliz. Seus olhos exprimiam o medo que eu queria que ele sentisse. Eu estava cega de ódio, com desejo de vingança, de destruição... Dei uma olhada rápida para o adulto que se encontrava na sala, que era o responsável por todos aqueles adolescentes, e também ele parara, no momento da minha violenta entrada, o que estava fazendo e permanecia imóvel olhando a cena. Ótimo! Menos um com quem me preocupar... Agora era só saborear a destruição da minha presa. Saborear o meu momento!

Meus músculos se retesavam à medida que eu me aproximava do garoto, derrubando tudo que estava em meu caminho para chegar até ele.  A sala não era muito grande, mas aqueles me pareceram os maiores metros que tive que andar na vida. O ódio me torturava, só sanaria com sangue. Eu iria destruí-lo na frente de muitas testemunhas, mas minha ferocidade inesperada fez com que eles parassem para assistir a cena, então eu tinha certeza de que ninguém me impediria.

Cheguei muito próximo dele. A expectativa me excitava. O medo e a incompreensão que eu lia na sua cara me davam poder. Muito poder! As lembranças de todas as agonias que eu vivi nas mãos dele aumentavam meu desejo por destruí-lo ali mesmo, usando de toda a violência que eu pudesse. Era mais forte que eu! Eu mal lembrava do objetivo inicial que me trouxera ali... buscar o objeto da minha amiga assaltada por ele. O meu ser transformado estava possuído por um ódio demoníaco que era deliciosamente incontrolável.

Frente a frente com o monstro... E o monstro agora era eu!

Numa fração de segundos minhas garras afiadas cresceram e saíram de minhas patas. Senti meus pêlos eriçarem por todo o corpo e meus músculos tornarem-se duros como mármore, prontos para o ataque. Muito poder! Muita raiva! Muito desejo de...

Enfiei a pata na direção da cara do garoto. O sangue jorrou imediatamente manchando suas roupas e meus pêlos. Eu olhava sua expressão aterrorizada, mas ele antes, tão cheio de piadinhas agressivas, não era capaz de se defender nem de dizer nada. Esperava mortificado pelo meu próximo ataque... E eu o observava sangrar. O corte ia fundo, de um furo entre os olhos, descendo pela bochecha até abaixo da orelha. Eu sorriria se meu focinho deixasse... O momento era incrível!

Eu, como loba, uma fera incontrolada, finalmente lancei-me sobre ele mordendo seu ombro e sacodindo-o trancado entre minha mandíbulas, com a força dos músculos do pescoço. Sacodia e sacodia... Sentia o garoto diluindo em minha boca. Parece que eu ouvi alguns gritos ao longe, mas o tempo parara para mim. Só existia o meu ódio e a minha explosão de morte sobre o condenado garoto.

Senti o gosto de sangue e percebi seu corpo desistindo da vida. Eu o sacodia no ar como a um boneco de pano. Mastiguei todos os ossos que pude nas diversas investidas que dei sobre ele, que permaneceu ali, me olhando apavorando enquanto podia. Eu o odiava demais para ter pena. Dessa vez era mesmo a morte! Nada o salvaria. Seria justiça após todos aqueles anos!

Ainda incorporada pelo espírito da loba selvagem, larguei os destroços do moleque no canto da sala. Parei por alguns segundos para admirar minha façanha. Ele era agora apenas um monte de tripas e pele mastigada enxarcados de sangue. Um raio de sol entrou pela janela e jogou sobre mim um delicioso calor, iluminando minhas presas que ainda estavam à mostra e fazendo reluzir o sangue que estava em mim. Sim, eu era autora daquela justiça!

Sentia-me gloriosa! Livre! Finalmente livre! Eu matara todos os meus medos e minhas angústias naquele canto. Eu me mostrara, para todos, como era. Uma loba, que tinha sentimentos, que não podia suportar tudo que fizessem comigo. E, acima de tudo, era agora reconhecida como uma amiga leal e fiel, que cuida dos amigos, os protege, os ama... A partir daquele momento eu me tornei real para aqueles que me consideravam apenas a menininha de 14 anos submissa e otária. Sabiam agora o que despertaram em mim, e sabiam, assim como eu, que aquilo me modificara para o resto de minha vida....

Sem olhar os rostos de pavor ao redor, peguei com a boca o objeto de minha amiga que estava no chão, ao lado do braço comido dele. Saí da sala. Calmamente caminhei, sentindo todos os olhos em mim, de volta para meu grupo de amigas no pátio. A vitória me acompanhava. A liberdade tomava conta de minha alma agora e eu finalmente respirei a paz!

Já na minha forma humana, olhei o rosto de minha amiga. Devolvi o objeto com um sorriso angelical, satisfeita, sem contar nada do que houvera, sem nem entender o meu surto de ódio ainda. Eu era, naquela hora, apenas uma garota de 14 anos. Disse simplesmente:

- Nunca mais deixe ninguém fazer com você o que você não quer!

E caminhei solta e realizada para beber um pouco d´água enquanto ouvia baixinho o "obrigada" que nunca sairá da minha cabeça.



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