Observando os lobos
A mulher ouvia o caminhar pesado do Lobo. Via-o passar pela floresta, por entre as árvores, às vezes acompanhado. Contemplava a cena que antes a fazia tremer e percebia que aquilo não tinha mais graça.
Volta e meia o Lobo se aproximava por trás, e farejava de perto a vítima que ela antes fora. Não havia mais eletricidade entre eles. O vínculo não era mais o mesmo. As coisas que a mulher andava percebendo no ar, que tinha visto e ouvido a deixaram fria e imune a ele. Não tremia mais. Ela juntara as peças...
E ele ainda procurava mantê-la por ali. Chegava perto da mulher, tentava fazer sua dança, usava seu poder do olhar, tentava usar do feitiço que antes a enlouquecia... mas não havia resposta. O ar ficava gélido entre eles. Ela não estava totalmente alheia a ele, mas estava ferida. Mortalmente ferida. E o Lobo até era capaz de perceber o cheiro do sangue, mas não sabia de onde vinha. Estúpido! Cego!
Ela olhava de longe e reparava no Lobo.
Como numa mudança de estação do ano, ele mudara o comportamento drasticamente. Andava por outras direções, com outras companhias. Exalava outros cheiros, buscava outras vítimas. Ela o viu tornar-se seguidor, ao invés do lobo alfa que era. Não era mais dominante. Era dominado.
Ele perdera seu poder... para uma loba!
Isso era incomum entre os lobos, mas às vezes acontecia. E a mulher olhava de longe a dança dos lobos. Aqueles movimentos pré-acasalamento. Em vão, ela sabia. A loba era muito poderosa e muito mais esperta que ele. O pobrezinho fora reduzido à condição de cachorrinho doméstico nas garras dela. Mantinha-no sob seu poder dando esperanças de que ele seria escolhido como o sucessor alfa que ela queria.
Aquela loba exalava seu odor pela floresta e vários lobos, enfeitiçados, a seguiam. Balançava sua calda, desfilava seu pêlo cuidadosamente reluzente e cativava seguidores. Ainda mais poderosa por estar atualmente sem um Alfa eleito, a loba usava todos os lobos mais fracos da matilha como seus súditos. Era assim que se sentia satisfeita. E eles lambiam o chão por onde passava.
E o Lobo estava perdido, com o olfato confuso, ora pretendendo aproximar-se da mulher, ora correndo de volta para a irresistível coação da tal loba. Ao menor ganido dela, ele abaixava as orelhas serviente e obedecia seus caprichos. Afastou-se de outros lobos de sua matilha, passou a alimentar-se em ambiente cativo, sob o olhar dela, acompanhava a loba quando ela saía em caçada por territórios perigosos apenas para dar-lhe proteção... Só faltava a coleira. E o pior era que ele queria!
Naquela tarde, a mulher passava pela floresta quando ouviu o uivo do Lobo em outro tom... Aquilo significava que ele estava cativo. A loba atingira seu coração e ele não tinha condições de percebero jogo dela. Era só mais um. Aquele uivo dizia que ele estava feliz por seguir a loba e que a queria por perto. Um uivo final. Desafinado...
Foi o último uivo que a mulher ouviria o Lobo emitir. Seria a última vez que se importaria com ele. Que ele fosse o cachorro que desejava ser! Que fosse amarrado na corrente e deixado com fome do lado de fora da casinha! Essa era sua nova condição.
Então a mulher cansou de olhar a floresta e virou-se para ir embora.
O Lobo, de longe, percebeu sua mudança de rumo e correu meio apressado até ela para evitar sua fuga. Cercou-a com determinação.
Ela não sorriu pra ele.
Então ele resolveu usar uma aproximação mais suave e afagou-a com o focinho.
Ela se encolheu ao contato dele.
Deteminada e fria por dentro, ela olhou-o enviezado dentro dos olhos e pela última vez dizendo adeus com seu olhar.
Não podia sorrir. Não podia mais sentir nada.
Deixou a floresta para sempre e o Lobo sem entender... De orelhas baixas e rabo entre as pernas, ele ainda achava que podia manter a mulher e a loba sob seu governo. Tentou uivar. A mulher não olhou pra trás.
Pobre cãozinho...
Oi Cla, qualquer um pode ler esta história e interpretar e trazer para sua própria realidade... Gostei muito... Bem envolvente... E parece que eu conheço o elenco, ou estou enganado?
ResponderExcluirBjs.