sábado, 7 de maio de 2011



Um uivo na noite. Garras sempre preparadas. O escuro me cercava mas eu conseguia ver. Via o que queria, enxergava perfeitamente minhas presas, e nada mais. Presas. Vítimas da noite.

Naquela escuridão nada mais importava a não ser aplacar a fome que me consumia. Meu estômago roncava forte influenciado pelo coração e provavelmente outros órgãos feridos dos combates de outrora. Eu não percebia a dor, mas agia conforme seus comandos. Não havia mais nada que eu pudesse fazer. Era mais forte que eu.

E eu, loba, seguia na noite, como se toda minha vida tivesse sido dentro daquela escuridão toda, sem nunca pensar na luz do dia. A manhã não me interessava pois as presas não seriam tão abundantes e eu precisava delas. Gostava da ação das noites. Noites e mais noites. Todas iguais. Insana busca por presas.

Precisava caçar. Destruir e matar. A caça era meu caminho. Olhos vidrados, noites sem dormir, a loba seguia buscando vítimas, sangue. Os destroços dos corpos parcialmente consumidos ficavam largados no chão, restos de algo que não me preencheu. A loba ainda não havia se provado forte e capaz para si mesma. Seguia com sua destruição.

De repente avistei um pobre urso. Já não me importava o tamanho da presa, eu estava certa de que venceria e conseguiria meu jantar daquela noite. Satisfação nem sempre garantida, mas necessidade aplacada por enquanto. O sangue da presa abobada era a droga de que eu precisava. Salivei olhando pra ele. Não seria fácil, mas eu tinha que dominá-lo.



Cheguei de mansinho, quase sorrindo. Os bigodes de meu focinho pressentindo a surpresa, mas também o interesse do urso na aproximação daquela loba na noite. Avistei a jugular do urso de imediato e meus instintos comandaram, não podia perder mais tempo... Ele seria meu! 

Voei nele, selvagem, e obviamente ele não pôde oferecer resistência. Se entregou à loba na noite, sabendo do seu papel de presa, tranquilo quanto a isso. Meus dentes cravavam com violência em sua carne dura e o prazer era extremo. O prazer de caçar e subjugar. 

Depois destruir. Os instintos selvagens da loba arrepiavam meus pêlos e eu não raciocinava. Deixava o chamado da natureza, de fera atordoada, me tomar por inteiro. O sangue corria por minhas veias cada vez mais rápido e o sangue da presa também escorria pelo chão, pelo meu focinho, eu podia senti-lo na boca. Salivei com ódio e satisfação.

Finalizar. O urso jazia no chão. Arfante ainda, ia tomando consciência do fim que se aproximava. Olhava a loba de longe, e ele um tanto admirado e surpreso com o ataque repentino. Cúmplice, sabia do seu papel na natureza. Sabia do que a loba precisava e sangrava por causa dela. Entorpecido, sabia que não a veria mais. Ela procuraria outras presas. Ele não era mais interessante. Morria aos poucos.

O pulso se tornando mais fraco. O urso estava finalizado. A loba olhava com desprezo. Já tinha obtido o que queria. A loba em mim, toda coberta de sangue do inimigo daquela noite, arfava também. Sofria por dentro. Sofria olhando o urso e sabendo que ele não seria suficiente. Mataria a presa logo, antes que sentisse algum tipo de solidariedade por ele.

Voei em seu pescoço novamente, garras afiadas rasgando seu corpo enorme. A noite encobrindo o crime. Via os olhos apavorados da presa enquanto o sangue jorrava pelos enormes buracos feitos em seu peito. Pedaços de carne do urso largados pelo chão, despedaçados, estraçalhados, imprestáveis. Morreu finalmente.



Vitoriosa uivei. Uivei sofrendo minha dor. Lembrei da minha própria dor, do meu próprio sangue que não estancava na ferida. Ferida profunda, recém aberta, que me fazia forte pra caçar e destruir, mas que sempre me deixava com aquele gosto salgado na boca. Gosto do meu sangue, metálico, ruim, dolorido.

Sacudi a cabeça espantando os maus pensamentos. Me dirigi a um córrego próximo do massacre para  limpar os pêlos do sangue alheio. Minha pelagem deveria estar sempre limpa e linda. Atraente aos olhos da próxima presa. Mas não naquela noite. Descansaria o corpo cansado e a alma satisfeita.

A fome ainda urgia, inclinando meus instintos a caçar mais. Deitei cansada e sozinha. Descansei as patas, garras, músculos do corpo, boca com enormes caninos, para atacar uma próxima vítima no dia seguinte. Era assim que eu precisava que fosse. Sem descanso, pois minha dor não tinha pausa. O ódio um pouco diminuído e uma sensação de conquista tomava conta do meu sono de predadora. A loba dormia agitada, sem paz.

Noite seguinte... a busca. Meus olhos abriram ansiosos. Sentia o cheiro da próxima presa. O cheiro da morte. Morria aos poucos. Destruía as presas, e sentia que parte de mim se destruía também... Paciência. O instinto era comandado pela dor. E a dor não parava...

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