(Quadro Santa Teresa de Portas Abertas - acrílica e biscuit sobre tela -
2007/2008 - de Andrea Guim - link de contato:
http://casacanella.blogspot.com.br/)
Como muitos cariocas, a maioria de nós nunca tinha andado no famoso bonde de Santa Teresa. O único que já tinha andado de bonde, andou nos idos de 1960. Lá fomos nós até a Estação de Bondes no Largo da Carioca entre os edfícios sede do Banco do Brasil e da Petrobras, no coração do Rio de Janeiro. Animadíssimos pelo almoço diferente, ríamos e falávamos alto, a fome já reclamando sua hora. Nos sentíamos turistas!
No local, primeira decepção: uma fila enoooorme. As pessoas eram das mais estranhas: estrangeiros internacionais e brasileiros de todos os Estados, bichos-grilo barbados e vestidos em trajes rasgados meio hippies e meninos de escola pública em seus uniformes surrados.
Fui direto ao início da fila para fazer reconhecimento de área e ver por onde se entrava, etc. O cartaz dizia "TARIFA: R$ 0,60". Não acreditei e li todos os cartazes afixados no mural que diziam basicamente a mesma coisa: "Pague R$ 0,60 para subir e mais R$ 0,60 para descer". Bem, devia mesmo custar a bagatela de sessenta centavos! O que hoje em dia custa centavos? Nem esfira no Habbibs!
O bonde que já estava parado lotou de turistas, hippies (que deviam ser artistas ou maconheiros, ou ambos) e só então abriram o portão da gratuidade e os meninos da escola pública correram e se agarrram como puderam nas laterais do bonde, pendurados pra fora. Só então um alto-falante de péssima qualidade rosnou qualquer coisa que entendi como o anúncio da saída do próximo bonde em meia hora. Mais uma decepção.
O quê??? Um dos passeios mais tradicionais do Rio de Janeiro tem frequência de saída de meia em meia hora!? Como assim?! E os turistas e demais passageiros parados lá no minúsculo ferro velho que chamam de bonde, olhando para os lados, e aguardando à toa os minutos se passarem para só ao meio dia saírem do lugar. Incrível o mau serviço prestado ao turista. E eu na fila com o pessoal só olhando...
Aí esperei mais um tempão até chegar a minha vez de ficar entalada com mais um bando de gente naquele bonde que mal é amarelo, de tão velho. O motor ligava e desligava de vez em quando fazendo o maior estrondo que um motor pode fazer, à toa. A late-velha não saía. O motorneiro (é assim que se chama o cara que dirige aquele troço) mau humorado passeava com sua escova de dentes pela estação, olhando com ravia para o bonde lotado à sua espera. Mais minutos jogados fora até que o mau humorado condutor resolveu subir na lata-velha e arrancar.
O tal bondinho famoso faz um barulho horroroso ao se mover! As peças todas rangem, os bancos de madeira precários balançam, os meninos pendurados do lado de fora sacodem com suas mochilas nas costas e o turista vai ali, espremido, tentando ver a tal paisagem do Rio de Janeiro.
Meu amigo ao meu lado levou até máquina fotográfica, mas não tinha do que tirar fotos. A paisagem que vemos é apenas o centro da cidade sujo, pichado, abandonado, com seus residentes pobres largados pelas ruas. Os turistas desanimados, nem levantavam suas câmeras fotográficas do colo, esperando ver o que fotografar. Arcos da Lapa. Passamos por cima, então não foi nada bonito ver o Circo Voador largadaço e a tal Fundição Progresso, um verdadeiro galpão abandonado. Sujeira por todos os lados. Decepção.
O bonde seguia barulhento e, de repente, me assustei com o baque da parada repentina, praticamente na vertical! Um ou outro passageiro desceu, outros subiram e o troço seguiu chacoalhando pelo caminho estreito e cheio de casas velhas e mal conservadas, ruas quase sem calçadas e fios elétricos e de bonde espalhados por todo o espaço onde poderia se ver o céu. Um horror.
Os "ratos de Santa Teresa", já acostumados com o bonde, sem que este sequer diminuísse a velocidade, subiam e desciam do trambolho rápidos como macacos nas árvores quando o bonde passava pelo local onde queriam ficar. Esses, nem os R$ 0,60 pagavam. Pegavam mesmo o bonde andando, uma carona desconfortável. E ainda iam conversando, velhos amigos que se reencontraram pendurados do lado de fora do bondinho.
Volta e meia, o caminho estreitava e o bonde freiava bruscamente, fazendo um barulho ensurdecedor, e disputando o resto de rua de paralelepípedos com micro-ônibus e táxis, dando quase de frente pra um poste, antes de virar subitamente a esquina. Um verdadeiro "trem fantasma", apavorante!
Finalmente avistamos o tal Largo do Guimarães, que dizem ser a área nobre do bairro (e tem isso por lá?) e descemos rápidos assim que o mau humorado motorneiro parou a geringonça amarela. Por ali podiam ser vistos vários restaurantes: comida alemã, mineira, frutos do mar, e diversos ateliês, bares temáticos além das casinhas antigas. Poderia ser um local turístico de verdade, até bonitinho, se não fosse o mau estado de conservação e o descaso das autoridades.
O restaurante que escolhemos, o Sobrenatural, especializado em frutos do mar é realmente muito bom, muito agradável e extremamente caro. Caldeirada bem servida, peixes saborosos, decoração simpática com direito a bondinhos na porta e tudo. Mas, sinceramente, podia ser em outro lugar. Essa tal de Santa Teresa é muito menos do que eu esperava e muito muito muito menos do que dizem os folhetos turísticos.
Voltamos de ônibus, que demos sorte de encontrar parado meio vazio, praticamente nos esperando pra voltarmos pro trabalho.
Bondinho nunca mais! ***
Restaurantes há outros bons em lugares menos zoneados.
Mas valeu a aventura com os colegas. Rimos muito!
Que venha o próximo almoço!
*** OBS: Pouco tempo depois uma morte de turista que viajava pendurado (como descrevi acima) vem apenas demonstrar o pouco caso das autoridades quanto a esse meio de transporte histórico. Mais uma derrota para o Rio de Janeiro. Veja notícia de 27/06/11 no Globo Online.
***OBS2: E eis que três meses depois o caquético bonde vira com mais de 50 pessoas a bordo e mata 5! Tragédia anunciada!!!
É sempre bom ter uma visão desmistificada de uma realidade que os nossos políticos e a mídia vivem insistindo em fazer parecer melhor, mais bela e mais assistida pelo estado do que realmente é!
ResponderExcluirObrigado por isso.