sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010




Os dias que se seguiram à dolorosa notícia da fuga do lobo não foram tão doloridos quanto pensei. Acordei animada, brinquei o dia todo, falei muitas besteiras com os amigos, não me deixei cair. Enfrentei a rotina diária como se nada tivesse acontecido.. e surpreendentemente me saí bem. Muito bem! Eu estava alegre!

Como podia? Eu vira o lobo de longe e trocamos cumprimentos, sorrisos e olhares e não senti nada demais. As descargas elétricas sumiram? Como podia?  Será que eu tinha conseguido colocar os pensamentos no lugar e olhar para o Wolverine como sendo apenas um lobo comum? Daqueles que podem passar por mim todos os dias e eu nem percebo? Bom demais. Parecia que tudo seria mais fácil, então! Estava feliz!

Depois, sozinha, tarde da noite, lá estava eu, olhos rasos d'água, boca reta de expressão séria, olhar perdido olhando o mar, pensativa. Apesar do alegre e florido vestido vermelho longo que me fazia sentir bela, minha alma estava triste, escura e cinza e eu me sentia feia.


Acabei percebendo uma nova coisa em mim: minha euforia do dia fora apenas uma máscara para os sentimentos que estavam ainda sob a pele. Bom saber que eu tenho essa máscara que não conhecia, pois ela facilita as coisas, mascara os sentimentos, facilita que eu lide com eles. Mas ruim saber que ainda estou ferida.

Não podia ser diferente! Não podia acabar de uma hora para outra!
Ainda estou magoada sem saber por que perdi o jogo, magoada por ter sido deixada de lado, por não ter sido a preferida, por não ser importante...
Senti-me rejeitada. Senti-me um objeto banal.
Triste por saber que o fim chegara cedo demais, por querer e não poder.
Infeliz por ter que lutar mais uma vez com os pensamentos dominantes que me atormentam me culpando por ser feia e gorda, exagerada, ansiosa...
Sentenciada por sufocar com amor um lobo que só quer se permitir aliviar as tensões da sua vida de verdade experimentando uma pequena caçada fora de seu habitat. Ele não quer ficar por perto da vítima. Não pode porque é proibido. E ele sente-se demasiadamente culpado por desobedecer as ordens dos homens e entregar-se aos comandos animais. Ele, afinal de contas, tem uma parte humana enorme, que o faz penar pelas coisas que sua parte animal executa... Culpa e tristeza em seus olhos e peito dolorido.

Senti-me burra por fazer exatamente o que eu sabia que ele não ia gostar! Entulhei-o de carinhos, palavras de amor, de querer-bem, de saudade, e perguntei coisas demais, pressionei sua parte humana, cheia de dúvidas e culpa. Como pude eu pressionar um animal selvagem e achar que ele ficaria por perto? Claro que não! O instinto de preservação ia levá-lo embora, ele ia fugir. E foi o que ele fez...

Mas o nosso cheiro está presente um para o outro, nossa presença é viva demais para simplesmente fingirmos que não nos queremos. O rosnado longínquo de Wolverine, lá dentro de sua floresta, me aperta o estômago e me traz pensamentos quentes. O rastro de sua essência, que fica no ar quando ele passa, me arrepia, aquele cheiro de mato molhado misturado com paixão, cheiro de homem que meu olfato percebe e que me desperta o desejo. Impossível lutar contra a descarga de choque que me percorre o pescoço e me acelera o coração... Se o vejo sorrir ou trocamos olhares sou incapaz de não querê-lo por perto.

Precisava conversar com Wolverine e então me aproximei dele lá em sua floresta, território que não era meu. Seu olhar triste era óbvio para mim, mas a vontade de me ter por perto também era perceptível demais. Então me deixei ficar ali, pertinho, mas distante. Farejamos o ar e encontramos conforto com a proximidade. As vozes baixas trocavam carinho e esclareciam preocupações um com o outro.

Um leve toque de nossas peles bastou para eriçar os pelos dele. Disfarçadamente cravei minhas unhas em seu braço, senti a pele gostosa dele ceder sob meu toque e ouvi seu ronronar satisfeito.


Tentei ir embora diversas vezes, mas ele ordenou que eu ficasse. E eu fiquei. Ali pertinho dele, cheiro de mato, cheiro de homem. Reparei nos compridos pelos de seu rosto que o tornavam ainda mais selvagem e belo para mim.

"Nem sempre o que se quer se pode. Nem sempre o que se pode, se quer..."
"Estou sozinho..."

E de repente parou de falar e me encarou com aqueles lindos olhos quentes de desejo. Meu corpo suou e eu sabia que nos queríamos ali mesmo. Confessamos que queríamos estar em outro lugar. Confessamos que não temos controle sobre nossos sentidos, que é químico, forte e bonito o que temos ... tínhamos...
Não sei mais.

Corri da floresta dele para a segurança da minha clareira, onde amigos me esperavam e saí para o sol escaldante, esperando que ele queimasse meu desejo imediatamente. Mas os segundos que eu passava quieta, mesmo no meio da multidão, eram suficientes para reviver mentalmente a visita à floresta do Wolverine.

Eu sentia várias coisas estranhas. Tentei entender o que se passava, tentei compreendê-lo, me colocar em seu lugar, tentei olhar para dentro de mim e perceber o que era que eu sentia agora. Era diferente agora, estranho, estava tudo meio torto, afetado por nossas culpas e distorcido pelo nosso desejo. Indefinido.

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Final da tarde, agitada eu o procuro, telefono para me despedir e ele não atende. Olho para trás ali está ele. Ele me procurava, soprando um beijo no ar, pronto para ficarmos um bom tempo distantes um do outro. Eu não resisto. Chamo-o para perto de mim na expectativa de um último faro do seu cheiro e ele atende prontamente querendo o mesmo que eu. Meio sem saber o que faço sigo-o... Certo ou errado, não sei! Sigo o lobo. Sigo o meu Wolverine, que não morreu...

A caverna está escura mas eu posso vê-lo plenamente. Nos aproximamos com saudade, nos reconhecendo pelo faro. Ainda separados, sem toques. As respirações muito próximas, o ar cheirando a desejo, nossos cheiros misturados, nossos rostos colados. E os lábios dele, suaves, transmitem carinho. Um beijo quente e gostoso de cumplicidade, macio. Depois disso é impossível não obedecermos aos instintos primitivos...


A caverna fica numa localização perigosa, corremos risco, o tempo é contra nós. Mas precisamos daqueles momentos... Queremos aquela proximidade, intimidade, desejo, sangue correndo forte pelas veias, corações batendo, corpos o mais próximos que as roupas permitem. Êxtase. Abraços. Carinho e últimas recomendações. É uma despedida, mas eu sei que parte dele vai comigo. E tenho certeza de que parte de mim vai povoar seus pensamentos e sonhos.

Ele me recomenda cuidado e proteção quando eu vagar por aí sem ele... Lágrimas me enchem os olhos e eu prometo que sou só dele. Ele não acredita mais. Ele acha que usei aqueles 5 medicamentos que eu tinha. Eu insisto que não! Não usei! As coisas não são bem assim. Não é assim que funciona, Wolverine! Eu não vivo para isso. Não fico pensando na próxima vítima. Não quero nada disso. Tenho sentimentos (e se ele não sabe ainda, meus sentimentos são dele)!

E antes de fugir ele enfia a garra em meu corpo e marca meu pescoço com a boca para garantir seu domínio. Eu não me importo. Até gosto. O domínio é dele. E eu não vou lutar. Não parece certo lutar contra o que é natural.

Ele poderia entender isso. Que não é nada demais.
Somos apenas humanos usando nosso lado animal.
Apenas humanos que se encontraram, numa dessas esquinas da vida, e que vieram para preencher o mundo do outro com coisas boas.
Somos humanos e sentimos essas coisas.
Apenas humanos, com erros e acertos, e acima de tudo, com desejos e uma vida só para vivê-los!
Não precisamos escolher nem decidir. Podemos viver assim, às escuras, nos tendo em segredo, nos amando em segredo. É saudável até. Normal também. Não nos desqualifica, não nos torna pessoas ruins, pois sabemos o que somos, não faltamos com nossas responsabilidades, mas apenas nos deixamos viver um pouquinho mais.

E farei o que disse minha querida doutora: "Aquieta a alma que a dor passa" Estou quieta e assim vou ficar. E já não sinto dor alguma. Entendi meu lugar. Entendi o jogo. E quero jogar.

Bom carnaval enorme, delicioso e querido lobo.
Estarei pensando em nós, pois tudo que me delicia, me alimenta.
Faça o mesmo, amor.

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