quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010





Um dia me perguntaram o que me falta.

É uma pergunta e tanto. Não soube o que responder por semanas. Pensava e pensava. A única coisa que me vinha à cabeça era aquilo que eu negava. Mas eu não posso admitir. É muito óbvio. Tem que ser algo mais que me falta.
Eu sei o que NÃO me falta: eu não sinto falta de um trabalho do qual eu goste demais, nem de mais amigos, nem de uma casa melhor, nem de grana pra viajar... São até coisas que eu quero... Mas a FALTA é diferente disso. O que me falta é diferente do que eu quero.

O que me falta não me deixa sentir completa. O que me falta me dói por não ter. O que me falta me traz maus sentimentos, tristeza. O que me falta é um buraco de ausência dentro de mim. É aquilo no que eu não penso, ou guardo no cantinho da mente para não lembrar sempre e não sofrer. Então só pode ser uma coisa... Mas não vou confessar aqui, pois não confesso nem a mim mesma. Seria me mostrar fraca, coisa que não sou, não quero ser. Então descobri o fundo da minha FALTA, e disso posso falar.

O que me falta é o sentimento de pertencimento.

Preciso pertencer a um núcleo que eu imagino ser ideal para mim. Um núcleo familiar. Ter de novo a família que eu tentei construir e que desmoronou por infidelidade do outro par, e por diversas outras coisas que já não compartilhávamos.




Preciso pertencer à sociedade nos padrões comuns. Essa minha vida cigana cansa. Pareço muito bem, mas estar sempre levantando acampamento e dizendo adeus e oi não é fácil. Conhecendo tudo de novo, contando as mesmas histórias, provando ser o que sou, ganhando a confiança do outro (ou não), olhando o ambiente ao redor, estudando as rotas de fuga e as possibilidades de fincar acampamento. Isso é um trabalho árduo e emocionalmente estafante.
Ingrato também, pois não há garantias e eu tenho medo.

Preciso sentir que pertenço à massa de mulheres seguras. Que têm para onde voltar. Que têm até seus afazeres domésticos, por quê não? E quem sabe, mesmo que eu negue, eu queira ter, no final das contas, um descendente... Daquelas pessoinhas que dependem da gente até o final da vida. Não penso nisso agora. Digo mesmo que não. Nunca! Mas dizem que a negação é a essência do desejo....

Sei que preciso, acima de tudo, saber que sou apreciada, amada. Preciso fazer parte de uma parceria, e saber que serei cuidada. Preciso confiar em alguém para poder entregar sem medos meu enorme e carinhoso coração. Alguém que vá dar valor a ele. Alguém que vá estender a mão quando eu cair e me dar colo nas noites chuvosas.


E fico dividida entre a convicção de que isso não acontecerá jamais pois sou cigana, me acostumei a ser cigana, gosto das aventuras desse tipo de vida, e me dou bem com ela...Outra parte de mim tem a esperança de, no fundo, ser igual a todo mundo, ter a vidinha caseira que a maioria das pessoas têm, e a segurança emocional que vem dela.

Sozinha não construo nada. Sozinha apenas vivo e gasto tempo. Sozinha me divirto... mas sozinha. Sozinha rio, suo, beijo, amo... mas sozinha. E sozinha é um. Única. Perfeitamente só*.

Então o que me falta é o DOIS. Não é apenas o amor, mas a certeza do pertencimento. O duo, o par, a parceria... Todo mundo diz a mesma coisa, parece besteira, coisa comum. Eu rejeito a idéia exatamente por isso. Não sou comum. Não quero ser comum. E me nego esses sentimentos comuns.
Mas, no fundo, sou apenas uma mulher que tem q lutar todos os dias nesse mundo cruel de infinitas oportunidades e que se cansa, volta e meia...

E como uma gata depois de saciada, quero voltar pra casa e se encolher no colo de um ser humano e receber carinho até dormir... segura... amada.... cuidada...

Sou uma gata que não pertence.
Sou uma gata sem dono.
Sou uma gata...

Cadê minha ração?


* Perfectly Lonely - by John Meyer - essa música poderia ter sido feita por mim, se fosse em versão feminina. Mas com a licença poética serve pra mim... e ainda é bonitinha.

"Nothing to do
Nowhere to be
A simple little kind of free
Nothing to do
No one but me
And that's all I need

I'm perfectly lonely
'Cause I don't belong to anyone
Nobody belongs to me"

.

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