O maremoto e o cãozinho
A sensação enlouquecedora de descontrole me assaltou. Ruim demais não ser capaz de conter aquele turbilhão dentro de mim. Um verdadeiro maremoto de sensações cresceu em uma gigantesca onda e veio do estômago lambendo o esôfago e saindo pela minha boca. Palavras cuspidas com violência, sem pensar.
Depois da ressaca marinha, a calmaria me trouxe de volta o bom senso. E a culpa. E o desconforto por ter permitido aquela exibição. Senti-me nua, exposta, boba, ridícula. Falei demais, com intensidade demais. Bobagens demais.
Ah, essa intensidade que me domina! Essa intensidade que suplanta meus sinceros desejos de permanecer tranquila. A intensidade que chega, avassaladora, de minhas entranhas, tomando tudo dentro de mim, apertando meu coração, corando minhas bochechas e se exprimindo em fortes e desmedidas palavras! Ah, essa minha característica intensidade que me acompanha pela vida...
Maré já baixa, ligo para me explicar.
Digo que falei demais, ou melhor, que falo demais de vez em quando. Que sou assim mesmo. Peço humildemente que me entenda, que me "dê um desconto" pois estava sob efeito etílico, que foi o culpado, daquela vez, pela baixa da minha guarda natual e do meu descontrole. O álcool e o ambiente animado me relaxaram a ponto de me fazer dizer coisas demais, forte demais. Intensa demais.
Entretanto, não canso de me surpreender. Com ele, apesar do maremoto que causei sozinha, quase me afogando nas palavras e gestos, não precisei nadar pra me salvar. Apenas estendi os braços e ele estava ali, pronto para me abraçar. Com um sorriso zen, me mostrou que estávamos numa piscina natural, e não em alto mar revolto. E me mostrou mais...
Ele me mostrou que atravessava comigo qualquer maremoto interno que eu pudesse ter. Ele entendia os mecanismos do maremoto, e não os temia. Em um momento, pude perceber que aquilo não o faria correr para longe da praia, e não o afogaria, pois era exímio nadador. E destemido, pois conseguia ver além da turbulência, a pessoa que há em mim. Esperava paciente pela calmaria.
Assim, devagarinho, ele segurou minha mão e me transmitiu paz. Naquela hora, a única água que me afogava as palavras eram as lágrimas de emoção que corriam pela minha face, escorrendo até os cantos de meu sorriso...
E devagarinho ele ganha espaço. Espaço dentro de mim. Carinho dentro de mim.
Diz que quer pegar no colo e resgatar o pobre cãozinho esperneando sozinho na chuva torrencial que eu disse que me sentia. Diz que cuidará bem do cãozinho perdido. Diz que gosta muito e admira o cãozinho esperneante, que faz beicinho e faz carinha de contrariado. Ele sabe cuidar de bichinhos assim.
Então, seco as lágrimas. Sorrio plena. Ele me abraça por telefone e eu fecho os olhos.
Durmo um sono tranquilo.
Durmo sonhando com águas calmas, sabendo que quando vier o maremoto, ele estará ao meu lado, observador e sereno, pronto para me dar a mão e me acalmar.
Até nas metáforas as semelhanças são agradavelmente supreendentes:
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